segunda-feira, 31 de março de 1980

Inauguração das grandes reformas por que passou aquele secular templo

A Tribuna - 31/03/1925 ( Foi colocada no ano errado porque o blogspot não estava aceitou a data verdadeira)
(ortografia autorizada nesta transcrição)
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Conforme noticiamos, serão inauguradas, amanhã, com a presença das autoridades locais, associações e irmandades religiosas, pessoas gradas e representantes da imprensa, as grandes reformas por que passou o secular convento de Nossa S. do Carmo.
Para a inauguração das importantes obras, o virtuoso prior do convento, rei Alexandre Reindera, organizou o seguinte programa:

Primeira parte



Orquestra - Hino Pontifício - pela banda do Corpo de Bombeiros
Abertura da sessão solene, pelo revmo. prior, frei Alexandre Reindera
Discurso do orador oficial, dr. João Carvalhal Filho.
Orquestra.
Esboço histórico sobre o convento do Carmo de Santos, pelo revmo. frei Maurício Lans, procurador.
Orquestra.
(Intervalo por 1/2 hora)




Segunda parte



Orquestra
Canção do carreiro, canto caipira, pelo sr. João Gregório.
Orquestra.
Monólogo, pelo sr. Eneas Barros Godoy.
Orquestra.
Comédia em 1 ato O filho adotivo, por um grupo de sócios da Liga de S. Alberto, de São Paulo.
Come le rose, canto, pelo sr. João Gregório.
L'Orfanello (romanza), pelo sr. João Gregório.
João Bananista (canto), pelo sr. João Gregório.
Hino Pontifício, pela banda do Corpo de Bombeiros.


Abrilhantará a festa a banda do Corpo Municipal de Bombeiros, gentilmente cedida pelo exmo. sr. vice-prefeito municipal, em exercício.
Descrição do Convento de Nossa S. do Carmo - À sua frente para a Praça Barão do Rio Branco, ergue-se a majestosa igreja, cuja arquitetura interior e seus altares revelam a verdadeira arte dos nossos antepassados. Ao lado esquerdo vemos o majestoso e imponente Panteão dos Andradas, erigido, em 1924, pela nossa Municipalidade, no lugar onde antigamente se achava a porta principal de entrada para o convento.
A sua fachada principal ainda conserva o estilo colonial, segundo os desejos do dr. Epitácio Pessoa, então presidente da República, por ocasião de sua aprovação ao projeto de ereção do Panteão, não obstante terem sido feitos diversos pequenos reparos.
Ao entrar pela porta principal, deparamos com o primeiro claustro, em cujo centro se ergue um rico cruzeiro comemorativo á data da reforma; mais além está o Consistório da Confraria de N. S. da Boa Morte e, a seguir, um corredor que dá acesso ao segundo claustro, onde vemos a Sacristia e confortáveis quartos para empregados.
Ginásio de N. S. do Carmo - Esta benemérita obra, fundada pelos frades carmelitas em 1917, acha-se confortavelmente instalada, obedecendo a todos os preceitos da higiene, e sob a direção do revmo. frei Alexandre Reinders, superior do convento, auxiliado por competentes professores normalistas.
Este Ginásio, pela maneira acanhada com que estava instalado, também sofreu rigorosa reforma, pois só comportava 150 alunos nas suas quatro modestas salas.
Agora, vemo-lo completamente reformado, aumentado o número de aulas para 9 classes e comportando 400 alunos, além do espaçoso salão de atos, com 38 metros de comprimento.
Primeiro claustro do andar superior - Vemos, além dos arcos e abóbadas, que revelam a arte arquitetônica do competente frade beneditino, d. Anselmo Werner, espaçosas celas e salas, numa das quais figura a sala onde deverá ser hospedado o bispo de Santos, caprichosamente mobiliada.
A seguir, passamos ao
Segundo claustro do andar superior - Neste claustro, um pouco maior do que o primeiro, acha-se completamente Independente, em uma ampla sala, o consistório da Irmandade do S. Bom Jesus dos Passos, magnífica e caprichosamente instalado, celas, copa, cozinha, salão de jantar, biblioteca, sala da procuradoria, sala do arquivo, onde se encontram verdadeiras preciosidades históricas de nossa Pátria, como sejam autógrafos de Braz e Pedro Cubas, provisão de nomeação de Martim Afonso de Souza, donatário da Capitania de S. Vicente, e muitos outros dados históricos sobre a Capitania de São Vicente e fundação de Santos, e uma riquíssima biblioteca histórica de livros raros, sob a inteligente direção do revmo. frei Maurício Lans, procurador do mesmo convento.
O convento foi fundado por Braz Cubas, em 1589. Foi reedificado em 1754, data inscrita na fachada do edifício.
A comunidade atual é composta de 3 frades e 1 irmão leigo: frei Alexandre Reinders, prior, frei Antonio Wessing, frei Maurício Lans, procurador, e frei Libuíno Kunder, sacristão.
É atual provincial frei Cyrillo Thenes.

domingo, 17 de fevereiro de 1980

Procissão do Senhor Morto

A Tribuna - 08/04/1952



Realizada, anteontem, a Procissão do Encontro - Com todo o brilhantismo do ritual católico, foi realizada, anteontem, às 19 horas, a Procissão do Encontro, sob os auspícios da Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, e que constitui um dos atos mais tocantes da Semana Santa.
A procissão, extraordinariamente concorrida, saiu do Convento de Santo Antônio do Valongo, percorrendo o seguinte itinerário: ruas do Comércio, 15 de Novembro, Visconde de São Leopoldo e Praça Rui Barbosa, onde se verificou o encontro com a imagem de Nossa Senhora das Dores, a qual saiu do Convento do Carmo, conduzida pelos Irmãos da Venerável Ordem de Terceira de Nossa Senhora do Carmo, pregando, na ocasião, o ilustre orador sacro, padre Jairo Cantinho de Moura, capelão da Base Aérea de São Paulo.
Finda essa comovente cerimônia, a procissão seguiu pela Rua General Câmara, Praça Mauá, ruas Cidade de Toledo, Augusto Severo e Praça Barão do Rio Branco, recolhendo-se à Igreja do Carmo, quando pregou o Sermão do Calvário o cap. Edmundo Cortes, capelão militar nesta cidade, descerrando-se, a seguir, o painel do Calvário, trabalho do saudoso pintor santista Benedito Calixto.

Os templos católicos da Cidade centenária

A Tribuna (26/01/1939)
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Divisão eclesiástica (...) predomina no espírito dos habitantes de Santos, numa percentagem de 70%, o culto ao catolicismo, conquanto outras religiões cristãs e muitos cultos espiritualistas e filosóficos têm aqui seus adeptos. Não há, entre nós, intolerância religiosa, fanatismo ou excesso de prática.
Santos, catolicamente, é sede do Bispado, cuja jurisdição compreende os municípios de S. Vicente, Itanhaém, Cananéia, Jacupiranga etc. e a Prefeitura Sanitária de Guarujá.
(...)
Situada na Praça Barão do Rio Branco. A 4 de setembro de 1752, dia de Santa Rosa de Viterbo, lançou-se a pedra fundamental da Capela Mor da Ordem Terceira do Carmo da Cidade de Santos, com a epígrafe Ad Majorem Dei Gloriam. A pia de água benta, de granito, tem gravada a data de 1710. Nesse templo foi sepultado o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. A 7 de dezembro de 1889 procedeu-se à exumação dos ossos do grande morto, sendo trasladados para o mausoléu que Rodolpho Bernardelli construiu no claustro daquele convento, justamente no local onde se acha hoje o Panteão dos Andradas.

Inauguração das grandes reformas por que passou aquele secular templo II

A Tribuna 01/04/1925 (Foi colocada no ano de 1980 porque o blog não aceita a data verdadeira)
(ortografia atualizada nesta transcrição)
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Com toda a solenidade do ritual, realizou-se ontem, às 8 horas, a missa solene de inauguração das novas instalações do Convento e Ginásio Nossa Senhora do Carmo, sendo celebrante frei Cyrillo Thewes, provincial da Província Carmelitana Fluminense.
A este ato de fé compareceram grande número de alunos do Ginásio, fiéis e demais pessoas gradas.
A parte coral obedeceu à direção da maestrina, senhorinha Alzira Ravazzani. Um ótimo conjunto de vozes executou belos trechos de músicas sacras.
Após a missa, procedeu-se à bênção solene das novas dependências, sendo após esta cerimônia servida uma lauta mesa de doces aos presentes, usando da palavra, nessa ocasião, o professor e vice-diretor do Ginásio, sr. Octavio Antunes Filgueiras, que, num eloqüente discurso, saudou a Província Carmelitana Fluminense, na pessoa de seu Provincial, patenteando-lhe o sincero agradecimento dos professores e alunos, pelos relevantes melhoramentos com que tem dotado o Ginásio N. S. do Carmo, ampliando as suas dependências, proporcionando incontestáveis benefícios à causa da instrução nesta cidade.
Às 18,30 horas, presentes autoridades locais, pessoas gradas e representantes da imprensa, foi dado início ao programa, com o hino pontifício, executado pela banda do Corpo Municipal de Bombeiros, que se achava em coreto adrede preparado no pátio do Ginásio de Nossa Senhora do Carmo.
Após, realizou-se uma sessão solene, presidida pelo revmo. frei Alexandre Reinders, prior do convento. S. revma., depois de explicar os fins daquela reunião, deu a palavra ao orador oficial, dr. Carvalhal Filho, que pronunciou o seguinte discurso:

"Minhas senhoras e meus senhores.
À pobreza descolorida da minha palavra, foi a bondade de rei Maurício Lans, buscar o intérprete que vos deverá dizer da alta significação desta solenidade. Eu bem me apercebi que a honrosa investidura era superior às minhas forças, não havia porém como recusá-la, de tão alto ela vinha e tão de perto falava ao meu coração e aos meus sentimentos, partida que era dos meus velhos e respeitáveis amigos carmelitanos, que eu me habituei a venerar e a obedecer, numa já longa jornada de vinte anos, em que me honram com a sua confiança, elegendo-me seu advogado.
E aqui me tendes por isso, o espírito conturbado pela pequenez dos meus merecimentos, ante a magnitude do mandato que me é confiado; mas alentado em cumpri-lo pela vossa e pela generosidade dos meus comitentes apóstolos sagrados, da missão das indulgências.
Datam da mais remota antiguidade, dos delineamentos primordiais da nossa Santa Igreja, os primeiros pensamentos da vida monástica. Foram os ascetas os que, mantendo o convívio da família e da sociedade, primeiramente se entregaram a uma vida de sacrifícios e de renúncias, alimentados pelo ideal de se aperfeiçoarem nas doutrinas do Cristo e dos Apóstolos. Mais tarde, ou para fugirem à tormenta das perseguições ou pelo sagrado ideal de um maior aperfeiçoamento moral e espiritual, votaram-se a uma completa solidão, nos ermos e nos desertos, sob o de todos os sofrimentos e de todas as privações. Foram os avacharetas e eremitas que viviam uma vida mística de contemplação e entre os quais, pelas suas grandes virtudes e merecimentos, se destacaram S. Paulo de Thebas e S. Antão, gloriosos e exemplares precursores da edificante vida monacal.
Os interesses da Igreja e as necessidades de sua santa missão os aconselharam, porém, a uma maior e a uma mais coordenada convergência de esforços e daí a instituição por S. Pacomio da vida cenobítica, com a fundação de uma casa - o mosteiro - onde os religiosos passaram a viver em comum e donde a sua ação benéfica se irradiou com imemoráveis vantagens para a Igreja e para a sociedade.
No século XIII, como uma conseqüência e poderio do clero em alguns países, notou-se como que um certo afrouxamento da moral e da disciplina religiosa.
A intervenção divina, fazendo-se sentir de pronto, despertou para logo as energias credoras e reformadoras da Igreja.
Os seus servidores mais dedicados, os seus apóstolos, entre os quais se destacaram S. Bernardo e Santa Hildegarda, deram o grito de alarme, tocando a rebate e em miraculoso e vigoroso movimento a reação não se fez esperar. E como verdadeiros enviados de Deus, surgiram S. Bento, S. Francisco de Assis e S. Domingos de Gusmão, que pela instituição das ordens mendicantes, que tinham por lema a pobreza e a caridade, restabeleceram a disciplina da vida religiosa, imprimindo-lhe um novo surto de desenvolvimento material, moral e até científico. Então se operou uma notável transformação na vida e na missão dos conventos; à sua eficiência propriamente religiosa, acrescentou um verdadeiro e profundo destino social. E a sua existência fecunda e miraculosa se afirma num largo desdobramento de energias e de esforços, na fundação e no amparo de instituições de caridade, na cruzada sacrossanta pela redenção dos cativos, numa luta sem tréguas pela instrução ou todas as suas manifestações, as artes, as ciências, a agricultura, a Indústria. Eles são os anjos tutelares das Misericórdias, da mendicidade, das calamidades públicas. Um sopro divino predestina-os para o Bem e para a glória. E o espírito humano se ilumina sob as fulgurações radiosas de uma grande constelação que se eleva dos mosteiros, historiadores, cientistas, poetas, pintores, arquitetos, artistas de todos os matizes, estrelas de primeira grandeza em todos os departamentos do engenho humano. Data daí, desse ambiente temperado pelo sofrimento e purificado pela Fé, a fundação da Ordem Carmelitana.
Bertholdo, um cruzado da Calábria, a instituiu, sob o influxo rígido dos princípios desse movimento de reação, à sombra suave e protetora das encostas do Monte Carmelo, na Síria, e sob a meiga e acariciante invocação da Santa Virgem do Carmo.
Votados, a princípio, a uma vida puramente mística e contemplativa, a que ainda se entrega a Ordem segunda da comunidade, os Carmelitanos calçados, na ânsia de serem úteis à humanidade, para logo se entregaram à direção e purificação das almas, e ao culto do Bem, nas suas multiformes manifestações. E por todo o mundo se espalharam as suas missões; pela Pérsia, pelo Egito, pela Etiópia, pelas Índias Orientais, pela Europa, pela América, pelo Brasil.
Na fúlgida constelação dos seus grandes servidores e pensadores, entre outros, floresceram: na teologia mística, S. Thereza e S. João da Cruz; na teologia dogmática, Salmanticenses; na exegese, João Silveira e Cherubim de S. José; na filosofia, os Complutenses de Alcalá; na astronomia, Manuel Coutinho e Paulo Antonio Foscarini, um dos predecessores de Galileu; na música, Matheus Flixa; na poesia, Baptista Spagnoto, cognominado o Virgílio Cristão; na botânica, o ilustre frade brasileiro frei Leandro do S. S. Sacramento. De então em diante, a vida da piedosa comunidade, como que numa determinação messiânica, se tem desenvolvido numa larga, numa incessante, numa quase divina distribuição de benefícios e de graças à sua Igreja e às sociedades onde tem exercido a sua ação benfazeja.
A Providência reservou ao Brasil, e particularmente à nossa cidade, uma boa messe desses benefícios.
Colaboradores da nossa grandeza, desde a nossa formação inicial por Braz Cubas, colaboradores da formação do espírito e coração do nosso povo, onde se esculpem, como sentimentos máximos, o altruísmo e a caridade em todos os seus maravilhosos aspectos, não é o menor, dentre os benefícios com que nos têm cumulado os dignos padres carmelitanos, a obra magnífica que ora jubilosamente inauguramos e por cuja celebração aqui nos congregamos. Dentro em pouco, pela palavra eloqüente e persuasiva de rei Maurício, ao serviço da sua rútila inteligência, tereis o prazer de ouvir os motivos e os propósitos deste notável empreendimento.
Na modéstia a que se costuma votar, ele provavelmente só vos dirá da feição material do cometimento, esquecendo-se propositadamente do seu aspecto moral, dessa maior e mais relevante grandeza que o reveste, porque é um legítimo padrão de desvanecido orgulho para si e para a sua respeitável comunidade.
Eu vo-la direi, no entanto, para significar precipuamente aos virtuosos padres do Carmo o nosso comovido agradecimento, a reverente gratidão de toda a cidade pelo relevantíssimo serviço que é assim prestado ao seu progresso material como, e principalmente, à glória e ao enriquecimento do seu patrimônio moral e espiritual. Porque, de fato, sob um tríplice aspecto, deve ser apreciado o grande melhoramento.
É um esplêndido e moderno edifício a enriquecer e a embelezar a cidade, com as suas adequadas e severas linhas arquitetônicas nas quais se guardaram e fielmente respeitaram o seu antigo estilo e as suas nobres tradições.
É um templo para o ministério da nossa Religião, que se veste de novo, sob as solicitações da vida moderna, para o prosseguimento incessante e fecundo do seu sacerdócio.
É a ampliação em novos e mais profícuos moldes de um outro templo - o da educação e o da instrução - a escola que os prestimosos padres carmelitanos aqui mantêm para distribuição do pão do espírito à pobreza adolescente da cidade.
É em resumo na sua tríplice feição material, espiritual e moral, a colaboração desinteressada e patriótica com os poderes públicos na obra cultural da cidade, pelo seu embelezamento, pelo aperfeiçoamento moral e espiritual do seu povo e pela difusão da instrução, fontes eternas e supremas de todas as bem-aventuranças.
É a colaboração eficiente criadora e renovadora na glória perpétua dos nossos destinos. Bendigamos, por isso, os nomes beneméritos e, num insopitável movimento de justiça, ferindo-lhes embora a modéstia que emoldura e ainda maior relevo põe aos seus merecimentos, destaquemos, dentre todos, os nomes daqueles que pelas suas responsabilidades mais porfiaram na rude peleja para o miraculoso advento da obra magnífica: frei Cyrillo Thewes - o ilustrado e virtuoso Provincial da Ordem, espírito de eleição e alma aberta a todas as nobres iniciativas, e a quem se deve a autorização para o importante empreendimento; rei Maurício Lans, o infatigável procurador da Província em Santos, o restaurador do seu patrimônio, o pertinaz inspirador e diretor das obras; frei Alexandre Reinders, o eficaz colaborador de frei Maurício e na sugestiva expressão deste último - o leal companheiro que o alentou com o seu conselho e com a sua experiência, nas horas amargas em que se venciam as asperezas do caminho percorrido. Bendigamos os seus nomes e inscrevamo-los com justiça no sacrário do coração do nosso povo, entre os dos seus beneméritos servidores.
Com a reconstrução do velho Convento do Carmo, sob cujas veneráveis arcadas, agora renovadas, se guardam tantas das nossas mais caras tradições, festejamos, também, agora, prevalecendo-nos da feliz oportunidade desta festa, um fato de significação talvez ainda mais alta - a reconstituição do seu opulento arquivo, precioso relicário onde vivem e acordam as glórias mais lídimas da nossa história local.
Por longos anos votado ao esquecimento e ao abandono, entregue por algum tempo a mãos sacrilegamente ignorantes do seu valor inestimável, quase que se perde o precioso repositório dos fastos da nossa vida de antanho. Salvou-o o amor e carinho verdadeiramente carmelitanos de frei Maurício, num permanente e percuciente trabalho de reconstituição, numa porfia de muitos anos, dia a dia, hora a hora, instante a instante, joeirando, separando, colecionando, coordenando documentos, e na ânsia amorável de uma recomposição dos títulos das nossas glórias passadas, o que só se justifica pela perfeita e sincera identificação dos seus aos nossos legítimos sentimentos e ideais. É mais um serviço que lhe ficamos a dever, recomendando-lhe o nome ao nosso respeito, à nossa veneração e à nossa comovida gratidão. Resta-me, agora, congratular-me convosco, senhores representantes dos poderes públicos municipais, pelo importante melhoramento que hoje inauguramos e que de maneira tão sugestiva vem opulentar a grandeza material da nossa cidade, como por igual, concorrer para a nossa cultura moral, espiritual e intelectual.
A vós outros, autoridades eclesiásticas, civis, militares, associações, dignos representantes da imprensa, excelentíssimas famílias e distintos cidadãos aqui presentes, o cordial agradecimento do Convento do Carmo, pelo brilho que, com as vossas presenças, viestes emprestar a esta solenidade, o que se traduz num aplauso à sua conduta e à sua ação e num incitamento a novas iniciativas dentro da esfera das possibilidades da sua elevada missão.
Cumprindo o nosso dever para convosco, voltemos para o céu constelado de estrelas os olhos dos nossos corações e do nosso espírito e, na clareira luminosa que a eles miraculosamente se abrem neste instante, divisemos, na resplandecência da divina e infinita misericórdia - a doce, a terna, a suave Virgem do Carmelo. Alcemos para ela os nossos olhares enternecidos de afeto e de gratidão, pelas graças que nos tem prodigalizado, e após, genuflexos a seus pés, braços levantados e súplices, evoquemos, empreguemos fervorosamente a continuação da sua perdulária misericórdia, para o integral cumprimento da nossa missão humana, pela glória cada vez maior da nossa terra, pela felicidade cada vez maior da nossa gente".
As suas últimas palavras foram abafadas por calorosos aplausos.
Após o discurso do dr. Carvalhal Filho, o revmo. frei Maurício Lans, procurador do convento, fez o esboço histórico do Convento de Nossa Senhora do Carmo, o que foi ouvido com a máxima atenção pelas numerosas pessoas presentes.
Eis o que disse aquele sacerdote:

"Revdmo. padre provincial.
"Exmo. sr. prefeito.
"Exmo. sr. presidente da Câmara Municipal.
"Exmos. srs. vereadores.
"Exmos. srs. drs. juízes.
"Revmos. colegas de hábito e de sacerdócio.
"Ilmos. srs. representantes da imprensa santista.
"Minhas senhoras e meus senhores.
"Indicado para falar-vos nesta solenidade da inauguração das novas instalações do nosso velho convento, sobre a vida dele durante os séculos da sua existência, acho necessário começar pedindo desculpas, porque tenho que tratar de assunto que não vos interessará, talvez, pelo lapso enorme de tempo transcorrido desde a fundação do Carmo desta cidade até o dia de hoje.
"Sem querer figurar por um Laudator temporis acti - um elogiador dos tempos idos - estou convencido de que relativamente são poucos os que se dedicam aos estudos históricos das épocas findas.
"Talvez seja fruto do nervosismo dos tempos atuais e das circunstâncias em que vivemos.
"Mas o que fizemos, auxiliados pelos nossos dedicados colaboradores, para reconstituir o nosso valioso e importante arquivo, convenceu-nos cada vez mais de que a história do Convento do Carmo é também a história desta próspera e adiantada cidade de Santos.
"Desde os primeiros tempos da então vila e porto de Santos, os frades do Carmo sempre foram cidadãos e moradores desta cidade; sempre acompanharam de perto o no começo vagaroso, mas agora espantoso desenvolvimento desta cidade encantadora, de forma que nós - carmelitas - não queríamos deixar passar ocasião tão propícia sem apresentar aos santistas um ligeiro esboço histórico, tirado dos documentos existentes no nosso Arquivo - do nosso velho e secular, mas hoje rejuvenescido, convento, o mais antigo de todos os conventos carmelitanos da Província Fluminense.
"Peço-vos, portanto, o obséquio e a caridade de aturar-me por uns momentos.
"E, com estas palavras, entro no meu assunto.
***
"Por provisão de 28 de novembro de 1587, passada no Carmo de Beja, enviou o revmo. padre-mestre frei Simão Coelho, então comissário geral da Província Carmelitana Portuguesa, o revmo. padre frei Pedro Vianna, com outros religiosos, para missionarem nas conquistas portuguesas do Brasil.
"Deu-se este fato com o beneplácito de sua majestade el-rei D. Filipe II, que naquela época empunhava o cetro do reino de Portugal.
"Já em 1581, diz o visconde de Porto Seguro, em sua História Geral do Brasil, Francisco Barbosa, rico proprietário pernambucano, nomeado por el-rei capitão de mar e terra da gente que levasse, trouxe de Portugal os três primeiros carmelitas a Pernambuco. Mas, sem fazerem fundação, tornaram para o reino.
"Pouco depois, em princípios de 1589, aportaram a Pernambuco frei Domingos Freire, superior, freis Bernardo Pimentel, Antonio Pinheiro e Alberto de S. Maria, que fundaram Convento em Olinda, que, por sua antiguidade, ficou cabeça de todas as fundações carmelitanas do Brasil até 1603, ano em que os holandeses se assenhorearam de Pernambuco.
"No mesmo ano de 1589, aportou a Santos frei Pedro Vianna, e, encontrando-se aqui com José Adorno e sua mulher Catharina Monteiro, fizeram-lhe estes doação de uma ermida ou capela, dedicada a Nossa Senhora da Graça, por escritura passada em 24 de abril do dito ano de 1589, 'para - como diz o documento na mesma capela o referido revmo. padre comissário rei Pedro Vianna fundar Convento de Religiosos do Carmo'.
"Esta doação Adorno confirmou em 7 de junho de 1603, ao revmo. padre sub-prior frei Antonio Carrasco, fazendo também doação de todos os parâmetros e vasos pertencentes à dita capela.
"Fez ele esta doação na presença do Vigário Geral da Capitania de S. Vicente, padre Jorge Rodrigues, que declarou desistir da posse que tinha na Ermida ou Capela, estando presente, além do dito frei Antonio Carrasco, frei Thomé Ferreira e o irmão leigo frei Antonio de Maria.
"A Capela de N. S. da graça encontrava-se na antiga Rua do Sal, hoje José Ricardo, esquina da Rua S. Antonio, hoje Rua do Comércio, e a maioria dos atuais santistas há de lembrar-se ainda daquela pequenina igreja, já em ruínas, que a mão de mestre do comendador Benedito Calixto salvou do esquecimento, reproduzindo-a em diversas telas, das quais uma se encontra neste Convento e outra na Cúria Metropolitana de S. Paulo.
"Em 31 de agosto do ano de 1589, Braz Cubas, cavalheiro fidalgo da casa real e provedor da fazenda, nas capitanias de S. Vicente e S. Amaro, alcaide-mor da Capitania de S. Vicente, 'que povoou esta vila e fez de fogo morto, sendo esta vila tudo mato', fez doação aos frades dos chãos em que se acha fundada a Capela de N. S. da Graça, os quais constavam de 44 braças de testada com 107 de fundos, pouco mais ou menos, como também das terras do rio Jeribatiba, atualmente Jurubatuba, com 3 léguas de testada e com sertão até as conquistas de S. Majestade el-rei.
"Eis, pois, fundado o Convento do Carmo de Santos.
"Eis fundado o Convento, que desde os primeiros albores deste grandioso torrão, participou das alegrias e tristezas deste generoso povo. Eis fundado mais um Convento em louvor d'Aquela que o Brasil até o dia de hoje venera como insigne, gloriosa, querida e piedosa Mãe do Carmelo.
"Pelo lapso de 10 anos, os frades ficaram residindo na Capela da Graça: mas, desejando dar maior expansão à sua fundação, compraram, em 2 de dezembro de 1599, o terreno em que está o Convento atualmente.
"O sub-prior de então, frei Lourenço da Conceição, comprou a Antonio Gonçalves 4 braças e meia de chãos com uma morada de casas por 46$000 e, aos 13 de janeiro de 1602, mais outras quatro braças e meia, por 5$400. No mesmo dia, o vigário prior frei Antonio Carrasco comprou a Manuel Fernandes mais 20 braças por 11$000 e Manuel Borges fez doação aos ditos frades de mais 25 braças, de forma que o terreno onde atualmente se encontra o Convento tinha, em 1602, uma extensão total de 54 braças, que custaram à Ordem a quantia enorme de 62$400! Digo isto para os atuais santistas terem clara compreensão de como se valorizaram, de então para cá, os terrenos alagadiços, em que a cidade de Santos é construída.
"Aos poucos ia-se aumentando o número de frades com residência neste Convento, para atestar ao serviço espiritual da então Vila de Santos, que viu aumentar-se o número de seus habitantes cada vez mais. E assim vemos que, já em 1635, a comunidade religiosa consistia de 5 frades; em 1640, os frades eram já em número de 6, número que assim ficou sem interrupção até o ano de 1710, ano em que a comunidade se compunha de 8 frades.
"Em 1734, já esse número atingira a 10 frades, de formas que se contavam entre eles um prior, sub-prior, um notário e 2 clavários.
"Assim foi até o ano de 1785, ano de adversidade e contratempos para a comunidade florescente, que contava então 12 religiosos.
"E até pode-se dizer que desde aquele ano a comunidade religiosa do Convento do Carmo de Santos nunca mais readquiriu o esplendor e o sossego gozado até então.
"Sem querer indagar os motivos, que levaram a rainha de Portugal a pedir ao sumo pontífice um administrador apostólico, que devia reger os destinos da Província Carmelitana Fluminense, verificamos que nesse ano de 1785, por ordem do sumo pontífice o papa Pio VI e a instâncias da rainha fidelíssima de Portugal, d. Maria, os frades deviam entregar o seu convento com todos os imóveis e móveis ao visitador apostólico, d. José Joaquim Mascarenhas Castello Branco, então bispo do Rio de Janeiro, - para (como diz o documento 'se efetuar a visita geral e reforma dos religiosos do Carmo da Província do Rio de Janeiro, que também compreende o convento desta vila'.
"E assim aconteceu que foram transportados para o Rio de Janeiro os bens móveis, alfaias da igreja, pratarias, arquivo e mais tesouros do belo e secular convento.
"Felizmente ficou como guarda do convento e depositário dos imóveis frei Luís Monteiro, para zelar do asseio e guarda dele e que devia 'responder juntamente por tudo com uma pessoa secular das mais capazes', como diz o documento guardado em nosso arquivo - e que era o então juiz de fora, dr. Marcellino Pereira Cleto, nomeado para isso pelo exmo. sr. Francisco da Cunha e Menezes, governador e capitão general da Capitania de S. Paulo.
"Os outros frades foram obrigados sob obediência a 'logo, incontinente, se porem a caminho a fim de prestar obediência no Convento do Rio de Janeiro, onde, com a maior brevidade, deverão reunir-se todos indefectivelmente, para esperar todas e quaisquer disposições que forem convenientes a bem da mesma visita geral e Reforma'.
"Lá se foram, pois, como reza o dito Inventário. - 'Uma imagem de Nossa Senhora do Carmo com o menino Jesus no braço, uma da Senhora do Bentinho; uma imagem de N. S. da Conceição, sete imagens de S. Cristo, uma dita de S. Elias, e outra de S. Eliseu, uma imagem de S. Joaquim e outra de S. Anna. Duas imagens de S. Rita, outra de S. Bárbara; uma de S. Pedro e outra de S. Angelo. Lá se foram 8 painéis grandes e novos de vários santos da Religião, provavelmente pintados pelo artista-padre Jesuíno do Monte Carmelo, outro painel de N. S. do Carmo de 3 palmos e meio de alto'.
"Seguiam-se as jóias, dádivas piedosas das famílias santistas, que o melhor dos seus ornatos costumavam oferecer à Virgem do Carmelo.
"Foram-se assim, como diz um documento: um rosicler de diamantes com um afogador de aljofares (pérolas) com 9 peças de diamantes, em ouro; brincos de diamantes, brincos com pedras brancas; broche de ouro de filigrana com várias pedras encastoadas de várias cores; broche de ouro fundido, cravado de pedras de diamantes antigos; uma enfiadura de aljofares de 2 fios com 7 cabecinhas e ouro; um Santo Lenho em seu relicário de prata e dentro custódia de ouro e vidro por fora; um anel de ouro com um topázio com folha encarnada e 2 diamantes dos lados, e inúmeras jóias mais, de ouro e diamantes.
"Lá se foram as pratarias, resplendores das imagens, lâmpadas do Santíssimo, custódia, cruzes para as procissões, turíbulo, naveta e colher chave do sacrário, três ambulas dos Santos óleos, um vaso de prata da Comunhão, cálices, pátinas etc.
"Lá se foram os riquíssimos vestidos de N. S. do Carmo, de seda, bordados de ouro e pedras, as ricas alfaias da Igreja, pálio de damasco, paramentos e outras vestes sacerdotais.
"Lá se foi da sacristia o rico oratório do defunto frei Pedro da Trindade, feito em jacarandá, com resplendor título e remates da cruz, tudo de prata.
"Lá se foram os livros da regular Biblioteca e os documentos do precioso Arquivo.
"Lá se foram numa palavra os tesouros do nosso velho Carmo.
"E mesmo que fosse temporário o desaparecimento dessas preciosidades, estou convencido de que não voltou para Santos nem a décima parte de tantas pedras e valores.
"Ficou abandonado, pois, o Carmo Santense. Mas a Mãe dos Carmelitas, que sempre vela pelos seus servidores, não deixou de ser para o Carmelo de Santos a Mãe meiga e misericordiosa. É que o convento, continuando a ser administrado pelos visitadores apostólicos, nunca ficou desamparado por completo.
"Em Santos houve sempre administradores leigos, que cuidaram dos bens do Convento com procuração e debaixo das ordens do administrador apostólico.
"E assim foi que o saudoso prelado d. Eduardo Duarte e Silva, falecido há pouco como bispo resignatário de Uberaba, governava o convento, no tempo da proclamação da República.
"Em 10 de agosto de 1889, uma comissão composta dos cavalheiros Antonio de Lacerda Franco, Ernesto Cândido Gomes e Affonso de Vergueiro, pediu ao então cônego Eduardo a devida licença para erigir no desocupado convento um mausoléu para o patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. E prontamente o dito administrador despachou favoravelmente o requerimento patriótico, de forma que o convento, abandonado pelos frades, ia ser a última e gloriosa morada do grande filho de Santos e do primeiro dos brasileiros.
"Transcrevo a título de curiosidade aqui o teor do requerimento e seu respeitável despacho.
"'Ilmo. revmo. sr. - A comissão abaixo assinada, encarregada da colocação do mausoléu do Patriarca da Independência do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva, no Convento do Carmo desta cidade, onde existem os restos mortais do grande patriota, e não podendo fazer sem ordem de v. revma., vem respeitosamente perante v. revma. solicitar a sua permissão para erigir o monumento no local escolhido, que é a área central do mesmo convento.
"'Como a comissão se esforça para que essa solenidade tenha lugar no próximo dia 7 de setembro, pede a v. rev.a que, por telegrama ao revmo. cônego Luís Alves da Silva, encarregado do convento, aqui, conceda aos abaixo-assinados a permissão que solicitam.
"'A comissão aproveita a ocasião para significar a v. revma. os protestos de sua consideração e respeito.
"'Deus guarde a v. revma. Cidade de Santos, 10 de agosto de 1889. Ilmo. revmo. cônego. dr. Eduardo Duarte e Silva. D. visitador apostólico da Ordem Carmelitana. A comissão: Antonio de Lacerda Franco, Ernesto Cândido Gomes, Affonso de Vergueiro'.
"Despacho:
"'Concedo a permissão que pede a comissão, contanto que em tempo algum, nem o local ocupado pelo monumento, nem o terreno adjacente fique, pela presente concessão, considerado cedido a quem quer que seja. Outrossim, deve a área central do convento, onde vai ficar o monumento, continuar a estar, como dantes, fechada ao público, e unicamente dependente de pessoa encarregada do convento. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1889. Cônego dr. Eduardo Duarte e Silva, visitador apostólico da Ordem Carmelitana Fluminense'.
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"Antes de irmos tratar dos últimos acontecimentos do nosso convento de Santos, com a chegada de novos frades carmelitanos da Holanda, em 1906, quero, como prova de nossa sincera e sentida gratidão, dedicar algumas palavras aos que até aquela data - como benfeitores que eram do Carmelo Santense, se empenharam em auxiliar os antigos frades para fazer cada vez mais gloriosa, bela e formosa a orada da Santíssima Virgem, mãe do Carmo, desta cidade.
"Braz Cubas - Evoco, então, mais uma vez, o ilustre personagem, fundador desta cidade, cavalheiro fidalgo de sua majestade El-Rei, o célebre Braz Cubas, grande benfeitor da Ordem do Carmo em Santos, que, sendo natural do Porto, lá nasceu das núpcias de João Pires Cubas e d. Isabel Nunes.
"Braz Cubas, nomeado por provisão régia de julho de 1551, capitão-mor e loco-tenente do donatário da Capitania de S. Vicente e provedor da Fazenda Real, recebeu de d. Ana Pimentel, esposa e procuradora do seu marido Martim Afonso de Sousa, confirmação das terras da sesmaria de Jurubatuba, como também das terras por ele, Braz Cubas, ocupadas no lugar onde atualmente se encontra a cidade de Santos.
"Herdeiro universal dos seus bens, como também dos bens deixados por Pero Cubas, filho de Braz, o Carmo Santista veio a possuir as imensas terras destes fidalgos para delas tirar o necessário para o seu sustento, e é por isso que nesta hora solene aqui quero consignar o preito de minha admiração e agradecimento ao fundador de Santos e aos seus descendentes e a minha profunda homenagem ao seu generoso coração de fidalgo.
"Antonio Gonçalves dos Quintos - Outro homem de caráter puramente cristão pela sua bondade e caridade, senhor de inúmeras terras nas capitanias de S. Vicente e Santo Amaro, doou ao convento, já em vida, parte dos seus bens, instituindo-o por testamento seu universal herdeiro.
"Este homem é Antonio Gonçalves Quintos, casado com d. Polonia Vaz, de quem teve diversos filhos, que sempre se mostraram generosos benfeitores dos frades deste convento.
"José Adorno - José Adorno pertencia a uma grande família nobre de Gênova, que forneceu muitos doges à República. Homem riquíssimo, senhor de muitas terras e enorme escravatura, empregava o produto do seu trabalho em obras de caridade.
"Casado com Catharina Monteiro, filha de Christovam Monteiro, teve deste matrimônio uma filha de nome Catharina Gonçalves, que se casou com Domingos Pires, um dos primeiros povoadores da Capitania e S. Vicente.
"Este José Adorno e sua mulher, a quem já nos referimos, foram os fundadores da histórica Capela da Graça, que em 24 de abril de 1589 doaram com todas as alfaias e mais pertences aos religiosos de N. S. do Carmo.
"Parece-me que havia parentesco entre as famílias dos Adornos e dos Cubas, pois que encontramos, em papéis do nosso arquivo, o nome de Cubas Adorno, como sejam: Thadeu Cubas Adorno, Constantino Cubas Adorno, Antonio Cubas Adorno e outros mais.
"Com estes três dos mais antigos moradores da então vila de Santos e que eram os maiores benfeitores do nosso jovem convento, rememoro, grato, o nome de Antonio Pires Pancas, casado com Ângela Rodrigues, que deram um dos seus filhos, chamado Antonio Gonçalves, à nossa Ordem, como religioso.
"Assim também o coronel Pedro Rodrigues Sanches, casado com Catharina Gonçalves Camassa, que tiveram, entre outros como filho frei Antonio Rodrigues Sanches, carmelita; Theodoro da Fonseca Pereira, casado com Maria Assumpção, que tiveram um dos seus filhos frade carmelita em 1750, com o nome de frei João dos Santos, sobrinho de um outro carmelita, rei Manuel do Monte Carmelo.
"Manuel e José Dias da Costa, que em 6 de julho de 1741 fizeram seus testamentos, por se ordenarem frades carmelitas, deixando por testamenteiros e administradores de seus bens a seu tio e tutor tenente-general Manuel Gonçalves de Aguiar, a seu cunhado Antonio Gonçalves Ribas e a Gonçalo Fernandes Souto, e, em falta destes, ao Convento do Carmo de Santos, o qual ficou por herdeiro de ambos.
"O mesmo se deu com Antonio Francisco Vianna Lustoza, que, por morte de seus pais, coronel Manuel Francisco Vianna e d. Maria Francisca Lustoza, ficou sob a tutela do tenente-coronel Pedro Fernandes de Andrade; entrou no nosso convento, deixando seus bens ao patrimônio do Carmo.
"Assim deram, a maioria das famílias santistas daquela época, ou seus bens ou seus filhos à Ordem da Virgem do Carmelo.
"Lembro ainda os nomes e as famílias de José Pereira de Avellar, do capitão João de Carvalho, de Mendes de Almeida, de Joaquim de Sant'Anna, da mesma família Mendes de Almeida; de Antonio da Costa e Moais, de d. Maria Francisca Coelho, do capitão Diogo Arias de Araújo, de d. Joanna da Fonseca de Vasconcellos, de d. Maria Vieira, de d. Margarida da Motta, d. Maria da Lapa de Jesus, que, filha de Manuel Nunes da Costa e Beatriz Barbosa e casada com Manuel Gonçalvez da Cruz, depois de enviuvar, entrou na Ordem do Carmo, onde tomou o nome de irmã Beata Maria da Lapa de Jesus.
"Acrescento aqui os nomes de uns ilustres filhos deste vetusto e respeitável convento, que se celebrizaram pelo lugar de destaque que ocuparam durante a sua vida religiosa. São, entre muitos outros, os revmos. fr. Pedro Vianna, delegado geral dos carmelitas no Brasil, em 1589; um frade, provavelmente r. Ignácio de S. Theresa, que, em 1735, contra a ordem expressa do conde de Sarzedas (1734), recolhia sempre os escravos fugitivos na sua residência, na vila de Barueri, dando-lhes depois destino seguro; frei Antonio Ignácio do Coração de Jesus Mello, por diversas vezes prior deste convento, provincial da Província Carmelitana Fluminense, procurador do mesmo, pregador da Capela Imperial, e que covardemente foi assassinado quando exercia as funções de prior, em S. Paulo, por dois escravos desse convento, em 5 de agosto de 1859; frei José Damasceno de S. Vicente Ferreira, comissário geral da Terra Santa e visitador apostólico em 1866; frei Francisco Fausto do Monte Carmelo, visitador em 1867, e, finalmente, frei Fernando Pinto de Oliveira, mestre jubilado, doutor em sacra teologia, examinador sinodal do bispado do Rio de Janeiro, em 1869.
"Já há séculos, faz companhia, à Ordem 1ª do Carmo de Santos a Venerável Ordem 3ª do Carmo, junto à nossa igreja, do que não podemos com exatidão marcar o ano de sua fundação, porque, segundo tradição, houve, em 1787, um incêndio, que reduziu a cinzas a casa do sargento-mor Antonio José de Carvalho, naquele tempo procurador geral e em poder de quem se achavam os principais papéis e livros da Ordem.
"Presume-se ter sido fundada no século décimo-sétimo, pois em 4 de setembro de 1752 lançou-se a pedra fundamental da segunda capela da dita Venerável Ordem 3ª.
"Também tem sua Sé - há séculos já - na nossa igreja a Arquiconfraria de Nossa Senhora da Boa Morte; pois possuímos no arquivo do convento documentos sobre a dita Arquiconfraria, datados de 1793. Mais antiga ainda é a Sé que tem no nosso convento a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos, ereta em 1760.
"Quando, enfim, em 1906, aportaram em Santos os primeiros religiosos carmelitas, vindos da Holanda, sob a direção do revmo. frei Cyrillo Thewes, atual provincial, encontraram o convento com o seu patrimônio em precário estado, mas não desamparado.
"Deve ser lembrado aqui o nome do revmo. monsenhor Moreira, que já há anos havia instalado no Convento, onde residia, um colégio, onde instruía a mocidade santista nas primeiras letras. E os homens que Santos atualmente conta no número dos mais nobres e distintos entre os seus filhos desvanecem-se de terem sido alunos do revmo. padre Moreira.
"Outro nome que merece destaque é o do revmo. cônego Luís Alves da Silva, que, como administrador no já desfalcado mas preciosíssimo Arquivo, manuseou numerosos documentos, catalogando-os com esmero e dedicação, de forma que os seus serviços ao Carmo foram a base em que os seus sucessores poderiam continuar a erigir o monumento, que hoje é, não só para o convento, não direi para a cidade de Santos e até para o glorioso Estado de S. Paulo o Arquivo do Carmo Santista.
"Está atualmente o nosso Arquivo entregue aos cuidados do moço estudioso, que é meu amigo, sr. Alfonso da Silva Matos, a quem me dirijo neste momento, para agradecer a sua dedicação e competência com que me auxiliou nos árduos trabalhos para a organização da preciosa coleção de documentos que formam o nosso Arquivo.
"Grato sou também ao meu particular amigo sr. Antenor da Rocha Leite, que durante mais de 19 anos presta seus inestimáveis serviços e seus bons conselhos a Procuradoria deste convento.
"Grato sou aos nossos conselheiros e amigos, srs. drs. João Carvalhal Filho e Albertino Moreira, que com uma dedicação a toda a prova, ajudaram sempre nos momentos difíceis o Convento do Carmo de Santos, como já, há tempos, foi feito pelo ilustre progenitor do primeiro, o nosso saudoso amigo dr. João Galeão Carvalhal.
"Eis-nos agora chegado ao termo do despretensioso esboço histórico do Convento do Carmo de Santos.
"Em 1920, por iniciativa do exmo. sr. vice-prefeito municipal, sr. Arnaldo Ferreira de Aguiar, aprovou a Câmara Municipal desta cidade uma indicação de sua exa. para erigir-se um Panteão dentro do claustro do nosso vetusto convento, para, assim, honrar a memória do patriarca, por ocasião do 1º Centenário da Independência Brasileira.
"E se as primitivas demarches nem sempre tiveram pronta e cabal resolução, não demorou muito que se chegasse a um acordo razoável, porque presidiu, de parte a parte, a todas as confabulações, a boa vontade de acertar, de não prejudicar nem o Panteão, nem o Convento.
"Assim, em data de 25 de julho de 1922, firmou-se acordo entre a zelosa Prefeitura Municipal e a administração do convento, de maneira que se erigiu o majestoso Panteão aos três irmãos Andradas, como também se reformou por completo o nosso velho convento.
"Foi a iniciativa do exmo. sr. vice-prefeito em exercício a causa primordial da reforma atual do convento, com seu colégio aumentado, suas salas espaçosas, com seu belo aspecto arquitetônico.
"A planta devemos, como também a execução dela, à competência dos nossos amigos, o artista - frade beneditino d. Anselmo Werner e dr. Walter Brune, engenheiro, aos quais consigno aqui, também em nome dos meus superiores, os sentimentos da nossa gratidão e a certeza da nossa inquebrantável amizade.
"Eis aqui, portanto, o motivo do nosso júbilo de hoje. Inauguramos as novas instalações do velho Carmo.
"Ampliaram-se as instalações do colégio, ampliaram-se os claustros, ampliaram-se as celas dos frades, as salas de visita; restaurou-se o presbitério da igreja, enriquecendo-o com admiráveis painéis executados pela mão do insigne mestre, glória de S. Paulo e do Brasil inteiro, comendador Benedicto Calixto.
"Estamos reunidos para celebrar este fausto acontecimento!
"O Carmo que floresceu nos séculos décimo-sexto e décimo-sétimo, que caiu depois em abandono, agora revive das suas cinzas qual Fênix, para reencetar de novo a sua vida religiosa, para servir aos santistas, que aqui educam e instruem seus filhos, para participar das alegrias e tristezas deste povo laborioso, para continuar, enfim, trilhando o caminho para a meta que se propôs durante os séculos de sua existência Ad honorem Dei, em louvor de Deus Sub tutela Matris, sobre a proteção da Mãe Imaculada, Estrela do Mar, Flor do Carmelo, Esplendor do Céu, que nos assistirá sempre com a sua proteção à Ordem Carmelitana na pessoa do santo bispo carmelita, Pedro Thomaz, que até o fim dos séculos seria o amparo da Ordem, o sustentáculo dos nossos anelos, a nossa protetora nas labutas, a nossa defensora nos labores, a nossa recompensa imerecida 'Mãe terna e meiga que é na hora suprema!'".
Terminado o esboço histórico do convento, fez-se ouvir uma excelente orquestra.
Após pequeno intervalo, seguiu-se a segunda parte do programa, que foi desempenhado à risca, merecendo todos os números aplausos calorosos.