quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

"Estamos vivendo um esvaziamento do fé"

A Tribuna - A 7- Local- Rafael Motta
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Reitor do Santuário de Nossa Senhora do Carmo, do Centro de Santos, completou 20 anos de sacerdócio ontem.
Se seguisse o que desejavam seus pais, Lino de Oliveira, nascido em Biritiba Mirim, no Interior paulista, seria advogado ou engenheiro. Maior, porém, foi sua vontade seguir a vida religiosa. Após rigorosa formação, tornou-se frade carmelita -­ ordem religiosa surgida no século 11, cujos seguidores cultivam o silêncio, a solidão e a paz. Ontem, frei Lino, de 48 anos, completou duas décadas de sacerdócio. Metade deste período em Santos, onde é reitor do Santuário de Nossa Senhora do Carmo, mais antiga igreja da Cidade, erguida a partir de 1589. O frade celebrou a data como em outros dias: presidindo missas. E, segundo disse em entrevista para A Tribuna, convidando as pessoas a refletir sobre a importância da fé no cotidiano.
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Nestes tempos de valores mais materiais do que morais, que dificuldades há para se transmitir a Palavra de Deus?
Uma das dificuldades é o próprio não-saber da religião. O povo praticamente está reaprendendo os conceitos da fé, de religião. Vivemos um tempo de esvaziamento da fé. A influência cultural é muito grande, e a cultura, ao invés de favorecer a fé, às vezes, pelo contrário, torna-a mais sem sentido, e (a pessoa) vai buscar outras coisas. Existe um desespero alarmante, e nós, como religiosos, temos de enfrentar esse desafio com muito mais dedicação, nesse sentido de conhecer mais a fé.
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Houve mudanças significativas nestas duas décadas?
Como eu dou aula (é professor de Teologia do Instituto Beato José de Anchieta, vinculado à Sociedade Visconde de São Leopoldo, mantenedora da Universidade Católica de Santos), tenho observado que, à medida que nós nos envolvemos mais com essas questões modernas, mais e mais a gente vai deixando a religião de lado. Como consequência disso, começa a surgir aquilo que a gente chama, na sociedade moderna, de doenças da alma. Doenças da alma se combatem como? A partir do resgate da própria fé. Você vê depressão, angústia... as questões existenciais estão vindo muito mais à tona agora. Ficaram muito mais visíveis, pois o povo perdeu o contato com o sagrado. Aí, o desespero toma conta, e o consumismo vai substituindo certos valores importantes ­ inclusive, a família, que vai sendo substituída.
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Há quem critique o discurso da Igreja, no sentido de que ele não se adaptaria ao avanço do tempo. O sr. pensa que a Igreja tem procurado se esforçar para modernizar a forma como ele tem sido apresentado?
Sim. Se você vir, nós temos o discurso sendo atualizado dentro da própria Igreja. Talvez, mal compreendido, e essa má compreensão é que torna o discurso não tão assimilado, não tão presente, já que é um discurso que, muitas vezes, extrapola a própria razão. Ele não está na superfície do ser: entra no mais essencial que o ser humano carrega dentro de si, e nós vivemos numa modernidade, hoje, em que tudo é superficial.
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Porém, há pessoas que, por desespero ou desilusão, acabam procurando por Deus, mas não necessariamente na Igreja Católica. Essa tentativa de religação pode ser considerada positiva mesmo fora da Igreja?
É necessária, independentemente de religião. Nós estamos falando de uma necessidade humana. O sagrado é algo humano. O que nós temos como desafio, seja em qualquer religião que tenha sensatez, é possibilitar esse resgate do sagrado na vida, porque, com o envolvimento cada vez maior com as ideologias que temos na modernidade, isso (o sagrado) está sendo tirado do povo.
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A que ideologias o sr. se refere?
Estou falando de secularismo (separação de Igreja e Estado), do relativismo (pelo qual verdades variariam conforme a época e o lugar), das questões ideológicas apresentadas pelos meios de comunicação. Há a questão do nadismo, ou seja, de não acreditar em nada, desconfiar de tudo.
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Foi isso tudo que chamou sua atenção quando decidiu se tornar padre ou não pensava ainda nessas questões?
Hoje, depois de 20 anos de sacerdócio, a gente amadurece no ofício sacerdotal. É claro que, no começo, a gente não pensava dessa maneira. Muitas vezes, também, era influenciado pelas ideologias do momento. Por exemplo, eu fui formado dentro da Teologia da década de 80, pós-regime militar... Toda a cultura que se produzia era voltada só sob uma dimensão, que é a sociológica.
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Isso torna mais difícil incutir conceitos religiosos?
Os conceitos religiosos se multiplicam. Graças às técnicas que se desenvolveram, isso é assimilado de diversas formas.